“Barba: O universo numa casca de nós”, de Waldir L. Santos, é um livro de drama composto por dez capítulos. Cada um mostrando um pouco mais sobre a vida de Barba, seus trejeitos, sabedorias, ensinamentos e principalmente, sua jornada.
Jornada de luta, afinal, acompanhamos sua história como morador de rua, vivendo o preconceito, o racismo e a ferida aberta de uma sociedade desigual.
Lembrei de outro livro que já falei por aqui, o “Favela Gótica” de Fábio Shiva, onde os meninos de rua eram invisíveis. Em Barba, mesmo sendo uma história pautada em um mundo sem mutações ou poderes, vemos a mesma invisibilidade. A ficção imita a cruel realidade: a sociedade tornou os moradores de rua seres invisíveis.
Vou te fazer uma pergunta agora e retornarei nela ao fim da resenha: Quantas vezes você já conversou com um morador de rua?
José Bonifácio, o Barba, é um mendigo, não mendigo, nem louco. Em ambos os casos, ele provavelmente tomaria ciência deste texto e viria pessoalmente me corrigir, tamanho é o espírito e voz desse personagem. Barba é vivo na narrativa. Tem vontades, posicionamentos e os expressa de forma tão contundente, que é como estar vendo a história, não por letras e papel, mas em uma janela. Barba passa a existir para nós, leitores, assim que começamos a ler o livro. E esse é um dos méritos do autor.
Waldir L. Santos começou sua carreira de escritor no terror, e o faz muito bem. Para se escrever terror, é importante entender o ser humano, o que ele teme, a sociedade em que vive. Só assim você conseguirá provocar medo ou estranheza em quem lê. Assim, utilizando-se de sua capacidade de observar o outro, o autor consegue nos levar em uma narrativa humana.
Curiosamente, não havia percebido que o subtítulo do livro é “O universo numa casca de NÓS” e não noz, como normalmente o jargão é utilizado. Quando notei, a leitura, já rica, se tornou primorosa. Barba é sobre NÓS. Sobre como lidamos com o outro e como o enxergamos como ser humano. É sobre entender que não existe eu, ele, o Barba ou você, mas sim NÓS, cada qual com a dignidade inerente da nossa humanidade.
Levando tudo isso em conta, retorno à pergunta: Quantas vezes você já conversou com um morador de rua?
A cada capítulo ela martelava em minha mente. Quantas vezes alguém pediu um prato de comida e me senti incomodado por parar meus afazeres para ir dar de comer a alguém que pode não ter se alimentado no dia? Será que eu olhei-o nos olhos quando o fiz? Não quero levantar esses questionamentos como uma forma de te fazer sentir culpa, mas para refletir se estamos tratando o outro com a dignidade que ele merece, visto que ele é um ser humano e tem vivências incríveis que estamos perdendo por não buscar conhecê-las.
Barba é um livro belo, sensível e real. Prepare-se para ter lágrimas arrancadas dos seus olhos ao acompanhar esse personagem que se tornou querido para mim. Um livro excelente e vai agradar, e muito, todos os amantes de literatura em geral.
Conheça o autor Waldir L. Santos
Waldir L. Santos é escritor e colunista da editora Jambô. Possui vários livros publicados passeando pelos gêneros literários sem definir um favorito.
Quando foi seu primeiro contato com literatura? O que te trouxe para o mundo literário?
Meu primeiro contato foi com Pedro Bandeira em “A droga da obediência'' (pelo menos o primeiro contato que realmente me marcou).
Na questão da escrita, meu primeiro trabalho foi o roteiro da história do NUG, um Nugget super-herói que salvava a coxinha dos malvados catchup e mostarda, que queriam temperá-la para o dono da casa ficar com mais vontade. Isso eu tinha por volta de 12 anos. Meu primeiro livro lançado foi aos 31 anos.
Minha resposta para o que me trouxe para esse cenário da literatura é meio clichê, mas vou mandar mesmo assim, acho que foi a vontade de contar histórias. Por exemplo o Barba, um livro totalmente fora do que eu havia escrito até então. Mas ele estava lá, queria sair, não tive muita opção. Acho que com os outros livros todos foi um pouco assim.
Onde se encontram suas histórias? Você publica em quais plataformas?
Minhas histórias estão em formato físico comigo, no site da Amazon em ebook ou, no caso do suspense Flor de sangue, no site da editora Jambô. Também tenho uma coluna no site da Jambô onde publico contos de terror mensalmente, a coluna Arrepios.
Já participei de algumas antologias (duas foram finalistas do Prêmio Le Blanc). Tenho contos na revista Tokyo Defender, a Literatura Pulp, entre outras.
Que elementos e temáticas são recorrentes em sua literatura?
Parafraseando Richard Matheson, autor de Eu sou a Lenda, me considero um escritor não-convencional. Passeio pelos gêneros conforme a necessidade da história, apesar de ter mais textos em terror/horror. A única coisa que liga todas elas é mostrar até onde o ser humano vai e o resultado de suas ações.
Passando para a parte mais técnica, como funciona seu processo escrita?
O meu processo é sentar a bunda na cadeira e escrever. Acho que tenho como um trunfo a criatividade, que culmina em poucos momentos de ócio. Produzo muito e isso é uma vantagem que aproveito sempre que posso. Tecnicamente falando, sou muito fã do “Sobre a escrita”, do King, e “Como escrever Ficção”, do Professor Brasil. Recomendo esses dois livros para qualquer autor.
Quais são os autores e obras corroboram com a construção das suas narrativas?
Eu sou um leitor ávido, com média de 40/60 livros por ano. Então, o meu conhecimento é bem prático. Isso também significa que tenho traços de meus autores favoritos em minha escrita. Edgar Allan Poe, Stephen King, Douglas Adams, Richard Matheson, Mary Shelley, dentre vários outros autores.
Eu sou MUITO influenciado pela narrativa do Poe quando escrevo contos, acho que essa é a influência mais perceptível em minha escrita. De resto, imprimi meu estilo somado à toda influência, cortando aqui, costurando ali, conforme minha narrativa era construída. A escrita é uma constante evolução, muito provavelmente meu estilo narrativo vai melhorar, e, por consequência, vai sofrer alguma mudança. Para ser bem sincero, não me preocupo muito com a maneira como as palavras serão escritas. Minha preocupação mesmo é tocar as pessoas.
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