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Foto do escritorPerpétua Revista

Descoberta, por Sara Ribeiro


Igor Gonçalves @comlaje

Quando me vi, o susto

Me subiu do peito com força

O grito se transformou

num sorriso de meia boca


Quando me vi, que dor

Foi no meio do meu coração

Tinha todas aquelas memórias

Rancor, mágoa e traição


Fingi que não me via, que não sabia quem era

E quando passava no espelho

Eu baixava os olhos

pra não precisar me dar oi de esguelha


Mas, ai, que boba eu sou

Não entendia ainda que não havia como escapar

Dessa casa que me habita

Desse corpo que é meu lar


Descobri nas minhas coxas,

algumas linhas e vários roxos ocasionais

Descobri na bunda ainda de calcinha:

tinha celulite até demais


Demais ou de menos, nunca saberei

Sei apenas que fiz exercício

paguei terapia, fui na academia

em todos os planos eu acreditei


Me disseram que amor próprio

era cuidar do corpo e nada mais

Me disseram que deveria acabar com as estrias

Mas olhar para dentro, jamais


Foi depois da queda mais alta

que um dia eu levantei

saí da cama como quem volta

da terra dos mortos, como voltei


No começo, ainda insone

Não conseguia acreditar

que aquilo era um sentimento puro

Que minha salvação era me amar


Encarei o espelho, vi dois planetas

Pareciam-se olhos, nariz e veias

eram constelações inteiras

Dentro do meu habitat


Na pele tenho linhas poderosas

cordilheiras, mares, rios

Árvores, nuvens e explosões gasosas

ao lado do porto, eu sou o navio


Fui acometida por um castanho escuro

Que parecia chocolate derretido

Olhei me de novo, bem lá no fundo

Caí-me de amores: estava decidido


Fui pega de surpresa pelo amor que me achou

estava eu escondida embaixo da mesa

quando a mim mesma

foi que a velha eu me encontrou


Ainda desacostumada com a atenção

Desviava-me dela como quem não sabe flertar

Escondia-me em casa, fingia orgasmos

Aprendi a me tocar


Minhas mãos são macias

minha boca é cheirosa

tem gosto de alegrias obscuras

fala coisas esplendorosas


Minha alma é a mesma

Que aqui várias vezes pisou

Lembrei-me disso com a certeza

De quem pela primeira vez se amou




Conheça a poeta



Sara Ribeiro é Porto Alegrense, mas atualmente mora em Dublin, na Irlanda. Feminista, bissexual e deficiente física, ela escreve todos os tipos de textos, principalmente crônicas, contos e poesia, sempre levantando suas bandeiras. Sara é formada em direito, faz mestrado em psicologia e é terapeuta Holística.

@escritaeterapia

Quando surgiu o interesse pela arte?


Minha mãe me ensinou a ler com 4 anos de idade e eu lembro de passar dias a fio lendo gibis da Mónica e livros didáticos de português da primeira série. Eu adorava ler jornais também e, como era a única criança da família, eu passava muito tempo brincando sozinha, então eu lia por diversão mesmo. A literatura sempre fez parte da minha vida, fui uma criança solitária e uma adolescente tímida. Tinha amigos na escola, mas não conhecia ninguém na minha rua nem me era permitido sair, então eu lia muito! A poesia, a literatura fantástica e os romances foram minha maior companhia durante meu crescimento e me serviram de base para poder escrever hoje em dia.


Onde você diria que se encontra na arte, Sara? E que papel a arte ocupa em sua formação?


Fiz faculdade de Direito e me formei pela PUCRS aos 23 anos mas meu sonho era cursar letras para poder escrever melhor. Fiz um semestre de Letras na UFRGS em 2016 e depois me mudei para Dublin, na Irlanda. Acabei desistindo da faculdade e ficando por aqui mesmo, onde entrei em contato com saraus e cursos alternativos de arte contemporânea.


A escrita é minha arte principal, mas também sou adepta da música, do teatro, da palhaçaria e da pintura. Fiz, e ainda faço, alguns cursos de teatro e escrita criativa. Também fiz um curso de formação de extensão para atuar como palhaça em hospitais como trabalho voluntário em Porto Alegre, onde nasci.


O que sua arte representa pra você?

Representa a forma como eu existo no mundo. Através da minha poesia e da minha escrita, sinto que posso projetar todo esse universo que reside dentro de mim. Sinto que minha escrita se comunica diretamente com mulheres com profunda ânsia existencialista, principalmente deficientes, bissexuais, imigrantes e feministas.

Como funciona seu processo criativo?

Gosto de ascender um incenso, uma vela, colocar uma playlist de música clássica e escrever a qualquer momento do dia. A inspiração vem às vezes até no meio da rua ou no banho e tenho que me esforçar para levar isso ao meu momento da escrita.

Que escritores e obras você utiliza como guias?

"A Hora da Estrela" de Clarice Lispector, "Dom Casmurro" de Machado de Assis, "O segundo sexo" (dois volumes) da Simone de Beauvoir. Todas as Crônicas Vampirescas de Anne Rice, Harry Potter de J.K. Rowlling, "Quarto de Despejo" de Maria Carolina de Jesus, "Academia de Vampiros" de Richelle Mead, "O Vendedor de Sonhos" de Augusto Cury e "O Poder do Agora" de Eckart Tolle.


Claro que ainda tem muitas outras obras que me influenciaram, mas quando penso sobre as principais, consigo citar essas de cabeça, contando nos dedos. Elas construíram muito a minha visão sobre literatura, sobre o mundo e sobre quem eu gostaria de ser. Sou uma pessoa bem eclética pra literatura, então eu vou de auto-ajuda até contos de vampiros com muita facilidade.

E o que diria para quem está começando Agora?

Diria para seguir seu coração e não deixar de acreditar em si mesmo. A arte é uma expressão lindíssima da vida e para ser artista basta criar alguma coisa inteiramente nova. Algumas pessoas acreditam que artistas são apenas aqueles que vemos na televisão ou no cinema, mas, para mim, o artista reside em cada um de nós. Basta nos permitirmos acessá-lo.

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