Quando me vi, o susto
Me subiu do peito com força
O grito se transformou
num sorriso de meia boca
Quando me vi, que dor
Foi no meio do meu coração
Tinha todas aquelas memórias
Rancor, mágoa e traição
Fingi que não me via, que não sabia quem era
E quando passava no espelho
Eu baixava os olhos
pra não precisar me dar oi de esguelha
Mas, ai, que boba eu sou
Não entendia ainda que não havia como escapar
Dessa casa que me habita
Desse corpo que é meu lar
Descobri nas minhas coxas,
algumas linhas e vários roxos ocasionais
Descobri na bunda ainda de calcinha:
tinha celulite até demais
Demais ou de menos, nunca saberei
Sei apenas que fiz exercício
paguei terapia, fui na academia
em todos os planos eu acreditei
Me disseram que amor próprio
era cuidar do corpo e nada mais
Me disseram que deveria acabar com as estrias
Mas olhar para dentro, jamais
Foi depois da queda mais alta
que um dia eu levantei
saí da cama como quem volta
da terra dos mortos, como voltei
No começo, ainda insone
Não conseguia acreditar
que aquilo era um sentimento puro
Que minha salvação era me amar
Encarei o espelho, vi dois planetas
Pareciam-se olhos, nariz e veias
eram constelações inteiras
Dentro do meu habitat
Na pele tenho linhas poderosas
cordilheiras, mares, rios
Árvores, nuvens e explosões gasosas
ao lado do porto, eu sou o navio
Fui acometida por um castanho escuro
Que parecia chocolate derretido
Olhei me de novo, bem lá no fundo
Caí-me de amores: estava decidido
Fui pega de surpresa pelo amor que me achou
estava eu escondida embaixo da mesa
quando a mim mesma
foi que a velha eu me encontrou
Ainda desacostumada com a atenção
Desviava-me dela como quem não sabe flertar
Escondia-me em casa, fingia orgasmos
Aprendi a me tocar
Minhas mãos são macias
minha boca é cheirosa
tem gosto de alegrias obscuras
fala coisas esplendorosas
Minha alma é a mesma
Que aqui várias vezes pisou
Lembrei-me disso com a certeza
De quem pela primeira vez se amou
Conheça a poeta
Sara Ribeiro é Porto Alegrense, mas atualmente mora em Dublin, na Irlanda. Feminista, bissexual e deficiente física, ela escreve todos os tipos de textos, principalmente crônicas, contos e poesia, sempre levantando suas bandeiras. Sara é formada em direito, faz mestrado em psicologia e é terapeuta Holística.
Quando surgiu o interesse pela arte?
Minha mãe me ensinou a ler com 4 anos de idade e eu lembro de passar dias a fio lendo gibis da Mónica e livros didáticos de português da primeira série. Eu adorava ler jornais também e, como era a única criança da família, eu passava muito tempo brincando sozinha, então eu lia por diversão mesmo. A literatura sempre fez parte da minha vida, fui uma criança solitária e uma adolescente tímida. Tinha amigos na escola, mas não conhecia ninguém na minha rua nem me era permitido sair, então eu lia muito! A poesia, a literatura fantástica e os romances foram minha maior companhia durante meu crescimento e me serviram de base para poder escrever hoje em dia.
Onde você diria que se encontra na arte, Sara? E que papel a arte ocupa em sua formação?
Fiz faculdade de Direito e me formei pela PUCRS aos 23 anos mas meu sonho era cursar letras para poder escrever melhor. Fiz um semestre de Letras na UFRGS em 2016 e depois me mudei para Dublin, na Irlanda. Acabei desistindo da faculdade e ficando por aqui mesmo, onde entrei em contato com saraus e cursos alternativos de arte contemporânea.
A escrita é minha arte principal, mas também sou adepta da música, do teatro, da palhaçaria e da pintura. Fiz, e ainda faço, alguns cursos de teatro e escrita criativa. Também fiz um curso de formação de extensão para atuar como palhaça em hospitais como trabalho voluntário em Porto Alegre, onde nasci.
O que sua arte representa pra você?
Representa a forma como eu existo no mundo. Através da minha poesia e da minha escrita, sinto que posso projetar todo esse universo que reside dentro de mim. Sinto que minha escrita se comunica diretamente com mulheres com profunda ânsia existencialista, principalmente deficientes, bissexuais, imigrantes e feministas.
Como funciona seu processo criativo?
Gosto de ascender um incenso, uma vela, colocar uma playlist de música clássica e escrever a qualquer momento do dia. A inspiração vem às vezes até no meio da rua ou no banho e tenho que me esforçar para levar isso ao meu momento da escrita.
Que escritores e obras você utiliza como guias?
"A Hora da Estrela" de Clarice Lispector, "Dom Casmurro" de Machado de Assis, "O segundo sexo" (dois volumes) da Simone de Beauvoir. Todas as Crônicas Vampirescas de Anne Rice, Harry Potter de J.K. Rowlling, "Quarto de Despejo" de Maria Carolina de Jesus, "Academia de Vampiros" de Richelle Mead, "O Vendedor de Sonhos" de Augusto Cury e "O Poder do Agora" de Eckart Tolle.
Claro que ainda tem muitas outras obras que me influenciaram, mas quando penso sobre as principais, consigo citar essas de cabeça, contando nos dedos. Elas construíram muito a minha visão sobre literatura, sobre o mundo e sobre quem eu gostaria de ser. Sou uma pessoa bem eclética pra literatura, então eu vou de auto-ajuda até contos de vampiros com muita facilidade.
E o que diria para quem está começando Agora?
Diria para seguir seu coração e não deixar de acreditar em si mesmo. A arte é uma expressão lindíssima da vida e para ser artista basta criar alguma coisa inteiramente nova. Algumas pessoas acreditam que artistas são apenas aqueles que vemos na televisão ou no cinema, mas, para mim, o artista reside em cada um de nós. Basta nos permitirmos acessá-lo.
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