A Literatura Fantástica é, atualmente, uma das vertentes literárias que mais tem ganhado espaço no mercado editorial. Apesar das dificuldades dos últimos anos, a produção e o consumo de obras fantásticas aumentaram de forma modesta, mas otimista. O que pode ser uma tentativa, talvez, de procurarmos nos livros uma ressignificação e uma organização a respeito dos tempos em que vivemos.
De acordo com o Almanaque da Arte Fantástica Brasileira: 2011 – 2020, publicado em 2021 pela editora Avec, a Literatura Fantástica – aquela que abarca as obras de fantasia, ficção científica e o horror, por exemplo – caminha na contramão do mercado editorial no Brasil. Isso porque, se não houve um crescimento nos números de produção e venda, a queda foi ao menos estagnada. Além disso, quando falamos de Literatura Fantásticas, estamos nos referindo, indiretamente, a todos os subgêneros contidos nela. Fantasia sombria, cyberpunk e terror gótico são apenas alguns dentre uma grande variedade. E se definir o que é um gênero literário é uma tarefa complexa, fazer isso com esses subgêneros é ainda mais difícil. As vertentes literárias se unem e se misturam, utilizando-se de uma característica daqui, outra dali, e assim, criando novas intenções e propósitos para as obras. É o que acontece, por exemplo, quando a ficção científica encontra o horror.
O QUE É FICÇÃO CIENTÍFICA?
Antes de mais nada, é preciso dar uma breve contextualizada.
O termo “ficção científica” apareceu pela primeira vez em 1929, na edição de julho da revista Science Wonder Stories, criada pelo escritor e editor Hugo Gernsback.
Ainda que o nome seja relativamente novo, o nascimento do gênero, porém, se deu um século antes, em 1818. Sua mãe é conhecida e reverenciada mundialmente até hoje, e sua obra de estreia é uma das mais icônicas: estamos falando de Mary Shelley e seu grandioso “Frankenstein, ou o Prometeu Moderno”.
Pode parecer estranho, em um primeiro momento, que Frankenstein tenha dado origem à ficção científica quando ele é tido como um clássico da literatura de horror. No entanto, se o insólito e o medo são elementos fundamentais da narrativa de Mary, o avanço da ciência e da tecnologia também o é.
Ainda sobre o tópico anterior, definir o que é ficção científica é um trabalho árduo e que não possui uma resposta concreta. Ela é, como todos os outros gêneros, uma vertente plural e diversa, e fechá-la em uma definição única seria limitá-la.
Sendo assim, trago três falas que tentam explicar o que é ficção científica em sua amplitude de possibilidades:
Para Darko Suvin, escritor e crítico literário, “a ficção científica depende da presença e interação entre a cognição e o estranhamento, mediados pelo ‘novum’”. O novum, nesse caso, sendo um elemento fantástico e/ou insólito na narrativa.
Já para o escritor Kingsley Amis, porém, “a ficção científica é uma narrativa baseada em alguma inovação na ciência ou na tecnologia ou na pseudo ciência ou na pseudo tecnologia”.
Por fim, de acordo com o professor e doutor Alexander Meireles:
“A ficção científica é uma vertente do modo fantástico que trata da influência sobre a sociedade de algum elemento ou inovação da ciência ou da tecnologia que é apresentada de forma extrapolada”.
É exatamente essa fala que explica por que, além de ser um clássico da literatura de horror, o Frankenstein é também a obra de origem da ficção científica.
A FICÇÃO CIENTÍFICA E O HORROR
Enquanto a principal característica da ficção científica é o avanço da ciência/tecnologia e o impacto disso na sociedade e no mundo, na literatura de horror essa força motriz vem de algo primitivo e inato ao ser humano: o medo. Embarcar em suas narrativas é mergulhar no abismo existente dentro de nós mesmos e encarar os monstros que habitam nossas profundezas.
O horror é um gênero literário mestre em nos arrancar da nossa zona de conforto. Suas temáticas tabus, delicadas ou pesadas, geram no leitor um tipo de incômodo dos mais fundamentais: o incômodo que nos provoca e nos instiga à reflexão.
E causar reflexão não seria também um dos objetivos dos livros de ficção científica?
Ao pegar emprestado o suspense, o choque, o assombro e o terror, as obras de ficção científica, muitas vezes, nos mostram sociedades deturpadas, mundos destruídos e tecnologias capazes de criar verdadeiras fábricas de monstros. A presença dos monstros, aliás, não é algo que acontece à toa.
Segundo o pesquisador norte-americano Jeffrey Jerome Cohen, “o corpo do monstro é um ‘corpo cultural’. Ao agregar certas tendências do momento histórico, a figura do monstro, em especial seu corpo, é forjada pelas ansiedades e preocupações de uma era”.
Podemos pensar em várias obras que fizeram isso, certo?
Em um momento em que a nossa realidade parece o enredo tirado de um livro, a ficção se apresenta para nós como um caminho para tentar compreender o que está acontecendo à nossa volta.
FICÇÃO CIENTÍFICA E HORROR DE MÃOS DADAS
A interação entre esses dois gêneros pode ocorrer de inúmeras formas e em todos os seus subgêneros. Dentre eles, os mais comuns são:
Distopias – obras que representam sociedades que vão na contramão da utopia, geralmente pautadas em Estados que se utilizam da razão para disseminar a violência e controlar as massas, fazendo perdurar a desigualdade.
Biopunk – uma das ramificações do cyberpunk, o biopunk reúne obras nas quais os principais elementos das narrativas são a tecnologia biológica e a manipulação genética.
Weird – são obras que mesclam a ficção científica com o horror, mas que não utilizam elementos recorrentes do horror – como zumbis, vampiros e fantasmas – mas exploram caminhos menos trilhados.
New Weird – o new weird unifica três gêneros da literatura fantástica. São eles: a ficção científica, a fantasia e o horror. Seu principal elemento é o uso da cidade enquanto lugar de ocorrência do insólito.
REFERÊNCIAS
Entre monstros e distopias: quando ficção científica se converte em horror – Revista Galileu;
Fronteiras entre o horror e outros gêneros literários – Canto do Gárgula;
O que é ficção científica? – série no canal Fantasticursos.
Bel. Quintilio é escritora de terror, revisora e pesquisadora literária. Possui uma coluna no blog Canto do Gárgula, onde escreve artigos sobre diversas vertentes literárias, além de manter um perfil no Instagram voltado para a literatura de terror. É idealizadora da iniciativa Mulheres Insólitas, movimento que visa enaltecer vozes femininas no cenário do horror. Bel. é autora do romance de suspense psicológico "Céu de Pássaros", finalista do III Prêmio Aberst de Literatura, na categoria Suspense, atualmente disponível na Amazon. Além disso, possui contos publicados pela editora Diário Macabro e pela revista Ledos Medos.
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