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Invasores, por Idaleia M. O. Silva

Atualizado: 13 de mai. de 2021


A luz entrava por uma fresta na janela, cobri meus olhos com o cobertor. Ainda não queria sair da cama. Escutei passos e vozes no andar debaixo. Achei estranho já que morava sozinho desde que minha esposa faleceu.

Tudo ficou em silêncio e imaginei se não seria coisa da minha cabeça. Escutei um leve ranger de portas. Rapidamente joguei o cobertor no chão, coloquei meus óculos e calcei meus chinelos, que ficavam debaixo da cama.

Desci as escadas silenciosamente. Se fosse um ladrão, eu o pegaria no flagra. A porta estava entreaberta. Ao longe vi uma mulher de baixa estatura, cabelos longos e claros. Ela não estava sozinha, haviam dois brutamontes com ela. Me escondi atrás de um móvel. Não os enfrentaria. Estava em desvantagem, mas assim que fossem embora eu chamaria a polícia.

Era a vez da mobília, primeiro levaram o piano, que um dia pertencera à minha avó. Fiquei com vontade de gritar, minhas mãos suavam e minhas pernas tremiam, meu coração estava disparado.

Voltaram alguns minutos depois e levaram a mesa de jantar, herança de mamãe. Queria confrontá-los, mas não conseguia nem sair do lugar. Levaram as cadeiras e depois o sofá. Me encostei no canto da parede. Eu precisava chegar ao telefone.

Os minutos se passaram e percebi que eles estavam demorando a voltar. Escutei o tique taque do relógio na parede. Sequei as mãos suadas na calça do pijama e disparei até a mesa, mas o telefone não estava lá.

Subi para o meu quarto, à procura do celular. Revirei as gavetas, o closet, a cama, até dentro dos sapatos. Nada.

A porta se abriu. Sentei no degrau da escada para escutar, pareciam discutir. As vozes estavam abafadas. Não entendi nenhuma palavra. Desci mais alguns degraus e me encostei na parede fria. Escutei soluços e uma voz entrecortada.

Não aguentava mais aquela angústia. Decidi que já estava na hora de aparecer, mesmo que isso custasse a minha vida.

Foi então que tive uma surpresa. Q uatro pessoas sentadas em volta de uma mesa redonda, que ocupava o lugar daquela que um dia pertenceu à minha mãe.

A voz conhecida era da vizinha, dona Arlete. Ela ocupava o lugar principal, bem de frente para os outros três. Por acaso eram a mulher loira baixa e dos dois homens que carregaram a minha mobília para fora de casa.

一 Há alguns dias venho sentido a presença nesta casa. Vejo sombras na janela do quarto e escuto barulhos vindos da cozinha. Não vou morar numa casa assombrada.

一 Vamos dar as mãos e fazer uma oração, pedir que esse espírito encontre a luz. 一 Quem eles pensam que são?

A casa é minha. Moro aqui desde que me casei. Nunca escutei nenhum barulho estranho, nem mesmo quando Gorete morreu, vítima de câncer no fígado.

Eu amava Gorete, quando ela ficou doente, os médicos me disseram que não havia cura. O câncer já estava avançado. Quinze dias depois, Gorete desencarnou, levando minha fé e alegria de viver. Nunca mais frequentei a igreja, nem socializei com os vizinhos. Dona Arlete era a única que ainda me visitava, sempre caridosa, às vezes me trazia um bolo recém saído do forno, às vezes me trazia um pão fresquinho.

Gorete jamais assombraria uma casa. Ela era incapaz de machucar alguém ou alguma coisa. Foi a mulher mais doce que eu conheci.

Na sala de jantar os quatro continuavam de mãos dadas e olhos fechados, acederam até uma vela.

A mulher baixa esbarrou na vela com o cotovelo e eu corri para tentar apagá-la, antes que caísse sob o tapete persa e provocasse um incêndio. Não me importei mais de ser visto, estava na hora de acabar com aquela loucura. Mas antes de conseguir me aproximar vi um clarão. Uma luz branca tomou conta do ambiente e começaram a surgir uns pontinhos brilhantes que pareciam me chamar. Uma paz imensa me tomou. Foi aí que eu a vi, Gorete estava vestida com a mesma camisola branca que havia usado no seu último dia de vida, quando a senti em meus braços pela última vez. Parecia um anjo , me chamando.

As outras pessoas pareciam não ver.

一 Gorete 一 Sussurrei. 一 Ela não disse nada, só me chamou.

一 Gorete, por que anda assombrando a nossa casa?

Ela apenas sorriu. Seu sorriso ainda era o sorriso mais gentil que eu já conheci. Seus cabelos estavam penteados para trás e seus olhos ainda eram de um azul intenso.

一 Gorete, meu amor, a morte lhe caiu muito bem.

As pessoas pareciam alheias ao que estava acontecendo, mantiveram seus olhos fechados e suas bocas tremiam, como se ainda recitassem uma prece. Eu queria dizer que não precisavam ter medo, Gorete não lhes faria mal.

一 Venha comigo!

一 Para onde? Eu não posso lhe acompanhar, estou vivo.

一 Você agora é como eu. Por que não quer vir? Esperei tanto para que se juntasse a mim.

Eu me afastei dela, parecia um tapa na cara. Ela me queria morto, mas eu ainda tinha uma vida para viver.

As pessoas na mesa redonda começaram a dizer o meu nome em voz alta.

一 Vá Luís. Vá para a luz.

Isso não podia estar acontecendo.

Me joguei em cima daquela mesa e ela se quebrou em vários pedaços. As pessoas estavam aterrorizadas e olhavam para todos os cantos, menos pra onde eu realmente estava.

Senti uma mão quente tocar meu ombro.

一 Querido, está na hora. Venha.

一 Eu não fico aqui nem mais um segundo. 一 Ouvi um dos brutamontes dizer, enquanto corria porta afora.

一 João, espere. Eu vou com você.

As duas mulheres ficaram ali, assim como Gorete, que parecia ser a única a não sentir medo de mim.

一 Luis, eu posso te sentir. Você faleceu há alguns dias, foi infarto fulminante. Você não pertence mais a este mundo.

Era a dona Arlete que falava e de repente a lembrança daquele dia enfadonho me veio à mente. Eu estava na cozinha, tomando meu café da manhã, então uma dor no peito me invadiu, quando tentei me levantar para pegar um comprimido, caí no chão.

一 Gorete fica comigo, esta casa é nossa. Não vamos a lugar algum.

Gorete sorriu, senti suas mãos afagarem as minhas costas.

一 Também quero ficar, sinto falta desse lugar. Você está certo, não vamos a lugar algum. 一 Sussurrou no meu ouvido.

Segurei a mão dela junto ao meu coração e juntos começamos a abrir as cortinas da casa,para deixar o sol entrar.

As duas mulheres saíram aos gritos, espero que para nunca mais voltar.




Conheça Idaleia Silva


Idaleia Silva é uma escritora que teve muitas portas fechadas, mas não se deixou abater. Publicou o seus livros “Infindável” e “Brisa” e se mantém escrevendo romances.




Idaleia, pode nos dizer um pouco sobre quem é você e qual a sua relação com as artes?


Tenho uma relação forte com as artes em geral. Aos 14 anos fiz um curso de modelo. Aos 19 entrei para um grupo de teatro. Aos 22 me formei em Publicidade e propaganda. É hoje aos 32 publiquei meu primeiro romance. Não sei explicar como tudo surgiu, mas a arte sempre esteve ali. Na minha família fui a primeira a conquistar um diploma, porque meus pais estudaram muito pouco, minha mãe só sabia assinar o próprio nome.


Como você foi trazida para o mundo literário?


Eu comecei a escrever como uma forma de terapia, quando minha avó faleceu, no ano passado, me abalou muito pois foi ela quem me criou. Depois que o meu primeiro livro estava pronto " Infindável " eu pedi para que uma amiga lesse e ela leu, quando terminou me disse que eu precisava publicar. Então pedi para uma outra amiga ler também. E ela me disse que tinha gostado muito da história. Daí eu comecei a pesquisar meios de publicar gratuitamente e descobri o clube de autores, a Amazon e também a plataforma da editora Uiclap. Em paralelo com o infindável escrevi "Brisa", ao saber do prêmio Kindle de literatura, publiquei o "Brisa " na Amazon, para concorrer e o "Infindável" na UICLAP, para que eu pudesse ter a versão física dele.


Em agosto deste ano, perdi meu pai também, e comecei a escrever um novo livro, me dediquei a escrever todos os dias para que não tivesse tempo de ficar depressiva.


Existe algum momento do dia que você se inspire mais para escrever?


Não tenho o momento e hora certos para escrever. Se surgir uma ideia e o computador não estiver ligado, imediatamente eu procuro papel e caneta.


Quais são as suas principais referências?


Eu gosto muito de ler romance e suspense também. Gosto desde Anne Rice a Nicholas Sparks.


Qual é o seu maior desejo na escrita atualmente?


Eu quero que as pessoas leiam o que eu escrevo e compartilhem das minhas experiências. Ver o meu livro na estante, ao lado dos livros dos meus autores favoritos, é uma experiência, uma emoção inenarrável.


Pode nos contar um pouquinho sobre esse novo livro?


Este meu livro é algo totalmente novo. Eu sempre gostei de ler fantasia, então comecei a escrever sobre anjos caídos. Meu livro vai se chamar "querubim". Mas desta vez eu estava querendo algo mais profissional, com correção, diagramação e ISBN. Então procurei uma editora e achei a diversa. Eles já até fizeram a capa do meu livro é estou muito entusiasmada. Pretendo fazer uma trilogia.


Neste conto que eu enviei para você 'intrusos' ele tem um pouco da doutrina espírita, que eu comecei a estudar recentemente.


Para você qual foi o personagem mais difícil de criar?


Acho que foi do meu atual livro 'querubim' o personagem Murilo é metade humano e metade anjo caído, ele tem poderes (dons) e achei um pouco difícil criar estes " super dons" sem que saísse muito da realidade, pois eu penso que meus leitores tem que se identificar com os personagens, então eu não queria algo muito fora do normal e ao menos tempo.


Encontre a escritora em suas redes sociais:


Instagram: @idaleia87

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1 Kommentar


Andréia Carvalho
Andréia Carvalho
03. Nov. 2021

Achei o conto incrível, como tudo o que Ideia escreve, ela é uma autora fabulosa, amei a entrevista. 👏🥰

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