No dia 2 de dezembro é comemorado o Dia Nacional do Samba e a Revista Perpétua não me chamou para fazer um samba porque eles sabem que não tenho talento como compositora. A convocação foi feita para falar sobre minha relação com o samba e como ela começou muito antes da escrita. Calma que a gente vai chegar nessa parte. Nada de pressa para o samba não atravessar!
Existem diversos tipos de samba, citando alguns, como o samba de roda, samba de terreiro, o samba de partido-alto e o samba-enredo. Este último, que também é chamado de samba de enredo, é o grande responsável por estar escrevendo aqui. Meus pais se conheceram no barracão de uma escola de samba. Ele era aderecista de carros alegóricos e minha mãe, cozinheira.
Não tenho problema em falar a idade, mas — como uma boa professora de matemática — também não entrego de bandeja: nasci em 1988 e vocês que lutem para calcular quantos anos que tenho. Brincadeiras à parte, nesse ano, a Vila Isabel venceu o Grupo Especial desfilando com o enredo “Kizomba, Festa da Raça”, cujo desfile trouxe toda a essência do samba: ancestralidade, resistência e confraternização. O desfile é inesquecível também por que passou pela Sapucaí apenas uma vez. Não houve Desfile das Campeãs por causa das chuvas que castigaram o Rio de Janeiro. No fundo, acho que foi até bom porque não queria dividir atenção dos meus pais entre meu nascimento e o carnaval.
Minha infância foi toda trabalhada nos cabelos sintéticos e nos brilhos. Desde pequena, circulava entre as perucas feitas pela minha mãe e as fantasias confeccionadas pelo meu pai para os desfiles das agremiações. Sempre fui leitora, mas as melhores histórias eram os relatos carnavalescos da família: teve gente que consegui desfilar em cima da hora, outros desfilaram dormindo e até quem fugiu do hospital para não perder a folia. Quando criança, o presente de Natal perfeito não era um livro — desculpe decepcioná-los —, mas o CD das escolas de samba para decorar as letras e tirar dez no quesito harmonia ao assistir o desfile pela tevê.
Diversos sambas-enredo me salvaram em provas: eram mais fáceis de decorar do que a matéria no caderno. Tive ótimos professores de História, só que os compositores sempre foram mais sucintos. Na faculdade, não tive dúvidas em escolher o tema do projeto final de engenharia. É, gente, foi sobre as escolas de samba. Todo mundo que me conhece sempre associa minha imagem ao carnaval. Para vocês verem que não caí de paraquedas aqui na Perpétua.
Sei que vocês estão perguntando quando começou a união de escrita e samba. Afinal, estamos numa revista sobre escrita. Entendam, antes precisava mostrar minhas credenciais para não ser barrada na pista, não é mesmo? Escrita e samba — casal mais integrado do que mestre-sala e porta-bandeira — se formou durante a recuperação do meu transplante de córnea.
Três meses de recuperação e o tédio era grande.
Livro após livro com o tampão na vista operada, surge a vontade de ler sobre samba, carnaval e escolas de samba. Depois de uma busca digna de pirata atrás do tesouro, nada ficcional superou as histórias da família. A semente de “escrever algo que queria ler” estava plantada e germinou com a liberação da médica: num ensaio de rua, ouço uma passista falar com outra que viu um homem com uma cara meio psicopata (não sou fofoqueira, elas passaram no meu lado). Para chegar à ideia do romance policial, com as passistas como vítimas de um serial killer, foi um pulo. Antes que perguntem, a história está em processo de reescrita porque o tempo passou e ela precisa ser mexida.
Tenho contos sobre carnaval, como “No batuque do coração”, “Problemas no Joelho” e “Perdendo a Cabeça”, a noveleta policial “Faixa Amarela” com minha parceira de escrita, Débora de Mello, abordando carnaval tanto das agremiações carnavalescas quanto de blocos de embalo, como o Cacique de Ramos. Para não ficar só na escrita, juntei com uma amiga e temos um podcast sobre carnaval de rua e das escolas de samba, o “Batuques e Confetes”.
Há muitas histórias para contar sobre samba, pois a origem africana misturada com as práticas dos povos em diáspora — além de todo o contexto político e social — contribuiu para quem somos hoje e como nos moldamos como sociedade. O samba explica o povo festejar em tempos difíceis. Apesar de se tentar domesticar os corpos negros, o povo dança livre como resistência. Muito foi feito para que o samba não sobrevivesse, mas ele segue ao som do batuque da palma da mão, no tampo da mesa, na caixa de fósforos e nos instrumentos de percussão.
Aproveito o Dia Nacional do Samba para convidar vocês, escritores, a olharem esse ritmo como uma fonte de histórias que precisam ser contadas. Já pensaram como é possível saber sobre nossa cultura ouvindo samba? Só com a origem do ritmo, dá para escrever muita coisa. Se animarem a escrever sobre samba; avisem, quero ler. Se forem numa roda de samba, num ensaio de escola de samba, num bloco de rua — depois da pandemia —, me chamem também.
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