Venho ensaiando escrever esse pequeno ensaio há alguns dias, mas a vida anda bem atribulada do lado de cá. — Atribulação significa propriamente preguiça. É insuportável essa obrigação quase que infinita, um imperativo categórico da ação, de produzir o tempo todo. — Gosto de relaxar, simplesmente acordar, fumar meu cigarro, beber uma garrafa de café, e ficar até anoitecer planejando o que ainda dará tempo de fazer até o horário de voltar a dormir. Enfim, finalmente irei escrever o que vem me incomodando há um tempo.
Fuçando as prateleiras de comprimento interminável existente em uma das lojas online, descobri um autor relativamente novo; chama-se Jessé Andarilho. Se não me engano, ele é morador de uma das favelas do estado do Rio de Janeiro; e, já publicou duas obras pela Companhia das Letras — as duas estão no meu carrinho de compras da Amazon para assim que o deus do dinheiro se apresentar eu possa ter o prazer de ler algo novo —, são Fiel e Efetivo variável.
O que venho querendo falar não foi suscitado necessariamente por esse novo autor — que não é tão novo assim —, mas por um dos comentários no site de vendas. Uma fulana — não irei citar seu nome, acredito que seria antiético — comentou que a obra não lhe acrescentou nada e que seria melhor ter ido assistir ao filme do Pelé. Ela me fez ter um pequeno choque de incômodo. Primeiro, pela forma que falou; segundo, por ter feito com que me dirigisse a um questionamento: o autor tem a obrigação de acariciar os anseios de quem lê? Ou, uma obra de arte, independentemente da sua forma, deve representar propriamente o mundo de quem lê?
Acredito que a maioria das pessoas que lerão isso daqui a algum tempo irão responder negativamente às duas questões. Mas, então, o que aquela jovem tinha em mente ao dizer que a obra não lhe acrescentou em nada?
— Parece que isso evidencia que a maioria dos leitores acredita que tudo que é produzido tem que reproduzir sua forma de ver o mundo. Nesse sentido, a arte nada mais é do que uma cócega aos anseios de quem gasta alguma grana com ela!
Como contra-argumento, iremos um pouco mais distante do que imaginei — quando comecei a escrever planejava dar algum exemplo nacional, mas a ideia me fugiu da mente. Então irei para o que está querendo sair a todo custo —. A maioria conhece Tolstói e, também outro russo, Dostoievski. Ambos são imortais da literatura mundial, o primeiro foi pertencente aos homens nobres da Rússia; o segundo foi um engenheiro, agitador, viciado em jogatina, fugitivo, presidiário, pobre. Basta lê-los para perceber o mundo que os circundavam. O produto de seus escritos foi o mundo que eles conheciam.
Para Tolstoi, a representação da vida conjugal era importante. Há essa relação em Ana Karerina, Guerra e Paz, entre outras obras. Em Dostoievski é diferente, ele nos mostra como vivem os que não têm grana. Destacamos O duplo, O idiota, Os demônios, O Adolescente, Crime e Castigo e por aí vai. Se em um caso a vida conjugal com os problemas domésticos e os privilégios de uma classe são destacados; no outro há a demonstração do quanto a fome, a submissão a trabalhos humilhantes, os vícios podem corromper um ser humano.
Fica a pergunta: será que a intenção deles era propriamente acariciar o ego de quem lê?
Prefiro ficar com o que Nietzsche diz em Além do Bem e do Mal — não lembro o número do aforismo, mas caso você queira verificar está no capítulo O que é Nobre? —, “a obra de arte é a vingança do artista para com o mundo”.
— Agora, voltando ao Jessé Andarilho. O pouco que conheci de sua obra percebi que ele representa justamente a vida que ele conhece, e os problemas que o circula. Fora esse comentário esdrúxulo há outros destacando a sensibilidade do autor em narrar os fatos na obra. E sim, ele representa uma porta de conhecimento que entende a sua realidade e a transforma esteticamente em arte. Então, se o autor não consegue acariciar seus anseios, o problema pode estar contigo e com a forma que você vê a função da obra de arte. — A não ser nos casos em que o autor realmente abusa da paciência do leitor, há muitos casos como esses; mas, felizmente, sempre consegui me esquivar dessas situações.
Não sei se respondi a algum problema sério, mas isso vem martelando em minha cabeça e eu precisei digitá-la. Agora que já foi, poderei ficar um pouco em paz. — São 20h poderei ficar ocioso até o horário que der sono, realmente, foi um dia produtivo; até 30 minutos atrás estava planejando fazer exatamente isso que estou finalizando agora.
— Não fiquem com o Deus cristão, fiquem com os deuses africanos; não acreditem em deuses que não saibam dançar.
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