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Os contos insólitos de Lia Cavaliera

É com muito carinho que a gente recebe No Clube do livro de hoje Gabriela C. Marra do perfil Armário de Esqueleto que traz a resenha dos contos da autora sombria Lia Cavaliera.


A Casa que sobra

Uma tempestade com ventos fortes devasta a pequena cidade onde se passa o conto, alaga vilas e destrói quase todas as casas, sobrando apenas três delas: uma abandonada, outra cujos moradores morreram no desastre e a da família do rapaz, aquele narrador da história que não tem nome, e sua família.


Passados cinquenta anos do acidente, a matriarca morre e deixa instruções para que todas as pessoas da casa não saiam de seus quartos durante a noite, e que tomem algumas providências práticas. Ela revela em sua carta que seguindo seus conselhos, viveriam bem.


O jovem segue as recomendações deixadas por sua avó durante anos, mas sempre com dúvidas sobre o que poderia acontecer caso as desobedecesse. Até que, na idade adulta, resolve desafiar as regras. Achando que tudo não passa de lendas e superstições, ele sai do quarto à noite, vai até a cozinha, anda pela casa e volta, deixando a porta aberta. A partir daí seu pesadelo começa. Sombras, barulhos e sensações estranhas o torturam. Havia algo morando ali, e, a cada noite, mais tormentos e aflições tomavam conta de seu corpo como uma doença.


“A casa que sobra” nos surpreende à medida em que as cenas avançam, descritas em detalhes com suspense e tensão. Claustrofóbico e angustiante, esse conto de terror é para dar medo na hora de dormir. Aproveite a leitura, mas: “Siga as instruções e sobreviva”.


Todos nós temos desejos, não é? Mas cuidado com o que deseja.


O coração que deseja

No conto “O coração que deseja”, Lia Cavaliera nos apresenta uma menina em busca de sua mãe. Após o barco em que estavam naufragar, as duas se abrigam no meio de uma floresta. A mãe sai à procura de ajuda e some. A menina, sozinha, é encontrada por um grupo de policiais que a leva para o posto. Lá, ninguém a escuta e sua história parece absurda.


Após muita insistência dela, eles voltam ao local do acidente e o que vêem é algo misterioso e fantástico, ao mesmo tempo terrível. Sob a luz da lua cheia, “Era uma vez uma menina no rio...”


A atmosfera criada pela autora, nessa história, nos faz imaginar um local cheio de segredos e escuridão. O que será que encontraremos?


Você já pensou que algo divertido pode enlouquecer? Já foi ao circo?


O circo que ri: O mágico

Em “O circo que ri: O mágico”, não espere encontrar personagens engraçados. Neste conto, uma moça vai com sua família assistir a um espetáculo circense para fugir da monotonia. Enquanto pede algo para comer, o show começa e ela acaba perdendo o início. Ao chegar na tenda, um mágico começa a apresentação e, a princípio, ela assiste maravilhada, depois intrigada. Coisas estranhas, susto e medo é o que você vai, realmente, encontrar. Qual o final? Apenas leia e prepare-se para boas perturbações.


Os contos de Lia Cavaliera provocam sensações curiosas e nos fazem refletir sobre a loucura, o fascínio, o horror. Cada um, no seu modo, traz um enigma diferente com desfechos inesperados.


Recomendo as leituras, se tiverem coragem...


Conheça a autora


Lia Cavaliera é uma escritora paraense. Autora de histórias insólitas e criadora de pesadelos. Canções Submersas é sua mais recente obra lançada na Amazon.

Como foi sua primeiro contato com a literatura?

Sempre falo que comecei a ler por causa do meu dentista. Quando eu era pequena, ia para o dentista e passava muito tempo na sala de espera, e o meu dentista ficava num prédio, daí como eu era uma criança muito arteira, ficava correndo pelo prédio. Um dia, vi uma porta de vidro onde, ao olhar pra dentro, de cara tinha um tapete redondo com vários travesseiros coloridos, envolto por várias estantes pequenas e coloridas. Fui atraída. Entrei, peguei um livro das estantes e comecei a ler ali, no travesseiro, junto com outras crianças. Eu já sabia ler, tinha cinco anos e foi ali que começou. Ninguém da minha família lia, hoje em dia ainda insisto mais, mas na época ninguém lia livro.


Comecei a ler por contos de fadas, nas versões originais, embora infantis, eram mais trágicas, um pouco mais obscuras. Meu primeiro romance foi Drácula, aos seis anos, e a partir daí nunca mais parei.


Quando eu tinha por volta de seis ou sete anos, teve uma competição na escola, de fábulas, que eu ganhei. Eu sempre gostei de inventar histórias, mas não pensava em fazer disso profissão, ainda assim, via minha produção aumentar com o passar do tempo. Ali, pelos meus dez anos, eu já tinha uma ideia de livro em mente e escrevi muito, até o arquivo ser apagado sem querer.


Eu fui naturalmente atraída, como se fosse meu destino, se é que isso existe. Porém, só fui pensar em ser escritora mesmo, por 2017, quando estava em cursos de escrita e o pessoal me incentivava, antes disso eu publicava meus textos em plataformas de auto publicação de forma despretensiosa.


Quais gêneros você escreve e quais são as temáticas recorrentes em suas obras?

Eu escrevo terror, fantasia e ficção científica. Eu acho que um dos temas que está sempre presente na minha escrita é a ancestralidade. Pesos passados por gerações: família, mas não a parte mais bonita dela. Uso bastante personagens mais velhos, acima de 30 anos também, pelo que percebo.


No terror, um dos maiores temas que venho trabalhando são as maldições auto impostas. As consequências de ações que as personagens sabem que vão dar errado, mas fazem mesmo assim, por curiosidade, despeito ou impulsividade. Mesmo que não seja literalmente uma maldição, mas a partir do momento que se faz uma escolha, os personagens precisam lidar com as consequências ruins que eles sabem que virão, ainda que tentem evitar. Meus personagens costumam pagar pra ver.


Eu trabalho mais coisas dentro da Fantasia, então discuto muito sobre confiança e lealdade. Coloco a questão da honra ser violada, quando há um código de conduta e o personagem se vê obrigado a quebrar sua honra. Existe uma coisa de se autoconhecer, das pessoas que tem muita certeza de quem são, tipo, convicção de nunca fariam algo e por isso serem colocadas a prova.


Na ficção científica o que mais ocorre nas histórias que escrevo é o grande sentimento de "não sei o que estou fazendo", um reconhecimento do desconhecido, o que é curioso pq o desconhecido está mais ligado ao terror, né? Mas no meu caso está mais voltado para a ficção científica. O fato dos personagens estarem criando algo novo, uma forma nova de viver, uma experiência louca, e existe esse desconhecido para aprender a lidar, que é diferente, mas você precisa respeitá-lo. Então fica a questão: "Como você vai lidar com essa coisa estranha que está te acontecendo?"


Existe alguma mensagem que você busque passar através das suas histórias?

Eu não acredito muito nessa coisa de que arte tem, obrigatoriamente, que passar uma mensagem. Concordo com Oscar Wilde, quando ele diz que arte é inútil. “Um livro (…) é bem ou mal escrito. Eis tudo.” Mas se eu passo alguma mensagem, é que a gente colhe o que planta.


Me conta como funciona o seu processo de escrita?

Meu processo de escrita é meio caótico. Eu tenho a ideia é como se abrisse uma aba na minha cabeça, que eu vou atualizando conforme as ideias vão surgindo, até a história estar suficientemente pronta para ser escrita. Isso pode demorar um mês ou anos.


Eu costumo usar estruturas diferentes, dependendo da história, mas, independente disso, nunca gosto de planejar demais. Sempre deixo muito espaço para os personagens se desenvolverem e me guiarem pela trama.


Você chegou a procurar cursos para se aprimorar?

Tive diversos professores que me auxiliaram na jornada de me tornar uma autora: André Vianco, Cláudia Lemes, assisti cursos mais curtos com Brandon Sanderson, Raoni Marqs, Carol Façanha, Neil Gaimam, Margareth Attwood, outros em Yale, NYU, Harvard, UPENN, etc.


Eu gosto muito de fazer cursos e de aprender coisas diferentes, a gente acaba integrando as áreas.


Quais autores e as obras trouxeram luz para sua inspiração ao longo dessa jornada escrita?

Acho que tudo que a gente lê, acaba influenciando, nem que seja um “eu não quero escrever assim”. Mas têm aqueles autores especiais, que eu admiro a escrita e com os quais aprendo muito.


Na atualidade, Caítlin R. Kiernan, Aliette De Bodard, Cláudia Lemes, Verena Cavalcante, Patrick Rothfuss, George R. R. Martin, Ray Bradbury, Juliet Marillier, Neil Gaiman, Richard Matterson, Saramago, Holly Black e Junji Ito.


Já dos antigos, se torna uma tarefa complicada, pois eu amo muitos. A acidez afiada de Machado, a ironia elegante de Jane Austen, a intensidade desoladora das Brönte, o existencialismo social de Mary Shelley e Victor Hugo. O horror em Poe, Bram Stocker, Oscar Wilde. Aluísio de Azevedo, Tolstói, Virginia Woolf, Kafka, Nobokov, Alexandre Dumas, Schopenhauer, Hilda Hilst, etc. Eu com certeza estou esquecendo nomes agora. Mas todos eles me inspiram muito a encontrar minha voz e a desenvolvê-la. Muito do que eu sou como pessoa e escritora é por causa desses nomes.


Links da autora Instagram / Twitter


Revisão por Nox Santos
Edição por Elisa Fonseca
Resenha por Gabriela Marra
Entrevista por Filipo Brazilliano

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