Acordou. Escuridão. Plástico? Frio. Muito frio. Há um plástico sobre ele. Tenta afastá-lo, não consegue. Está fechado? Por quê? Levanta-se. Movimentos limitados pelo plástico. Está escuro. Debate-se. Ele é claustrofóbico? A preocupação se transforma em um desespero crescente. Grita. E se o ar faltar? Já está tão escasso. E se ele se sufocar? Grita mais. E quando se apoia na superfície gelada de ferro percebe que está nu. Mas, por quê? Tenta se lembrar da última vez em que esteve vestido e não consegue. Percebe que a tábua fria em que está deitado é limitada. Percorre as beiras com as mãos. Se apoia e desce. Era uma mesa.
Começa a tatear novamente e encontra uma abertura no plástico. Finalmente liberta-se, mas ainda está escuro. Anda devagar. Os pés desprotegidos sentem o piso liso e gelado. Se choca contra outra mesa. Tem algo ali, gelado e duro. De formato irregular, porém familiar. Ele tateia. Um braço? Um abdômen. Ele afasta o próprio braço para longe da coisa. Um arrepio lhe frisa os pelos do corpo. Um ser humano? Morto? Se não está morto, por que está tão gelado? Que lugar é esse? Ele procura apressar os passos. Quer sair dali o quanto antes. No entanto, escorrega desastrosamente em alguma coisa líquida. Bate o cotovelo no apoio inferior da mesa de ferro. A dor é lancinante. Quebrou? Não, mas chegou perto. Rosna como cão pela dor aguda. Cortante.
Curva-se sobre o corpo e segura o braço esquerdo. Apoia-se no braço direito para levantar. Não pode ficar caído ali. Aos pouquinhos. Lentamente a dor vai diminuindo. Então, cinco passos à frente ele vê uma fresta de luz rente à parede. Embaixo. Na horizontal. Uma porta! Uma saída, ele pensa. Se apressa. Tenta o trinco. Não abre. Está trancada. Bate, mas ninguém escuta. Ao lado da porta deve haver ao menos um interruptor para a luz. Tateia desesperado. Um pouco para o lado direito tem uma mesa. Encontra um objeto bem pontudo. No escuro a ponta corta o seu dedo. Assim, descobriu que é afiado. Parece resistente. Tenta voltar para onde estava a porta. Enfia o objeto que parece uma faca, (embora não seja afiado na lateral, apenas na ponta) na abertura do trinco. Entre a parede e a porta. Tenta, agoniado, quebrar o trinco que somente uma boa chave abriria. Fracassa. Desnorteado, bate raivosamente na porta. Esmurra. Grita. Pede socorro.
Não entende porque está ali. Não sabe onde estão suas roupas. Sente frio. Não consegue sequer enxergar os contornos dos objetos à sua volta. Seu braço ainda dói. Tem certeza de que se formará um hematoma. Impacienta-se ainda mais. Pensa no que pode fazer para sair dali, mas não vê saída. Tem de tentar. Volta a enfiar o objeto cortante no mínimo espaço entre a porta e a parede. Naquela brecha. Então, escuta um barulho. Para o que está fazendo e ouve com atenção. Silêncio. Tenta novamente. O barulho se repete. Olha ao redor como se fosse capaz de ver algo. Silêncio. O barulho volta a se repetir, mas desta vez ele continua a forçar a porta. Por um instinto. Uma precaução. Não para. Esse silêncio está lhe roendo os nervos. E esse barulho de alguma coisa sendo arrastada é agonizante. Seja o que for, está mais próximo.
Ele sente a adrenalina explodindo em suas veias. Precisa sair desse lugar horrível. Aquela escuridão aterradora está mexendo com sua cabeça. Fazendo-o ouvir coisas. Só pode ser. Ele sorri para si mesmo. É isso. É a escuridão. A escuridão faz isso com as pessoas. A coisa se arrasta. Só pode ser. Se arrasta mais. Claro que é. Ele está louco? Não. Definitivamente é a escuridão. Quando ele sair dali, tudo vai ficar bem. Sim. Tudo vai ficar bem. Talvez, só seja um ataque de pânico. Todo mundo tem isso hoje em dia. É comum. É natural. Esmurra a porta. Embora tenha recebido ordens do cérebro para forçar a fechadura, o que faz é esmurrar a porta. Isso também acontece com frequência, com todo mundo. Ele só está cansado. Pessoas cansadas cometem erros. Ele tem de sair dali. Talvez, esteja um pouco desesperado. É que ele não gosta da ideia de estar preso. Ainda mais no frio. A coisa rasteja mais e mais. Até que ele ouve um barulho diferente. Alguém conversando? Do outro lado da porta? Sim! Do outro lado da porta! Pelos céus! Ele está livre!
Quando a porta é aberta. Um cheiro de desinfetante floral preenche o ar e no ímpeto ele avança em direção à saída. Quando a luz banha seu corpo e ele tenta se habituar à claridade, ouve um grito esganiçado seguido de passos. Alguém correndo. Uma prancheta despencando no chão. Quando os seus olhos se acomodam à luz forte do corredor branco, não há ninguém. Só uma prancheta no chão e mais adiante um copo de café fervente caído no piso bem encerado. Ele ainda não sabe, mas tem um corte recém suturado em formato de Y em seu tórax e a faixa sobre a porta na qual ele está, se lê: Sala de Necropsia.
Conheça J. Brandão
J.Brandão é uma escritora nascida em Alagoas no ano de 1997. Leitora assídua desde criança e viajante imaginária por natureza. Almas Insones é seu primeiro romance.
J. Brandão, quando nasceu o seu relacionamento com a literatura?
Meu interesse surgiu muito cedo. As minhas tias são professoras, possuíam coleções de livros em casa e eu sempre os tomava para ler. Depois de devorar os mesmos livros, repetidas vezes, me ocorria de alterar um pouco as estórias. Inicialmente eu fazia isso em minha própria cabeça, mas depois passei a escrevê-las, e logo adiante passei a criar novas histórias. Fiz isso paralelamente à escrita pessoal dos meus diários.
Minha experiência tem sido muito positiva desde que mergulhei na literatura. Árdua, porém positiva. Comecei com romances e novelas. Agora estou escrevendo e vendendo contos em formato fanzine.
Quais gêneros você prefere trabalhar?
Sempre gostei de suspense e imaginei como seria maravilhoso se eu conseguisse escrever nesse gênero. Até o momento ainda estou tentando. A escrita em si é um processo e sempre podemos melhorar algo.
Qual aspecto do suspense te motiva a escrever?
Gosto do sobrenatural. Dessa dúvida amedrontadora que todos sentimos quando não sabemos o que está por vir. Isso me incentiva a escrever um conto, uma obra que cause esse tipo de emoção.
Sobre temáticas e elementos, quais podemos encontrar em suas histórias?
Nas minhas obras eu sempre uso o contexto psicológico dos personagens. Gosto de personagens mais humanos, mais reais. Imperfeitos. Cheios de receios e desejos. Evito personagens vazios.
Pode nos contar em quem você se inspira?
Minhas referências são Rupi Kaur, poetisa contemporânea e Clarice Lispector. Ambas usam suas vozes de modo magnífico. Rupi Kaur tem um senso político em seus livros. Clarice traz uma introspecção raramente vista. Isso aguça a definição da minha escrita. Ambas usam suas vozes de modo magnífico. Rupi Kaur tem um senso político em seus livros. Clarice traz uma introspecção raramente vista. Isso aguça a definição da minha escrita.
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