A revista Perpétua convidou diversos autores para comentar o prêmio Wattys. Um importante meio de divulgação da literatura independente.
Wattys 2020 e suas engrenagens
Para quem não acompanhou, cobrimos alguns autores do prêmio Wattys de 2020 em três matérias. Na primeira, “Wattys: Conhecendo o prêmio através do mistério”
introduzimos, para quem ainda não está familiarizado, o Wattpad, o Wattys e selecionamos alguns dos vencedores da categoria suspense.
Já na segunda matéria, “As entrelinhas do Wattys na perspectiva do Fantástico”, destrinchamos um pouco mais sobre o funcionamento da plataforma e convidamos alguns vencedores da categoria fantasia.
Finalizamos com a terceira, “A presença do romance no Wattys”. Aqui comentamos sobre o futuro do Wattpad e convidamos os vencedores da categoria romance para nos trazer suas perspectivas acerca de suas obras.
E afinal o que é o Wattys?
O Wattys é um dos maiores prêmios da literatura online promovido pela plataforma. Ele é uma forma alternativa de estrear no mercado literário, sem depender das tradicionais editoras. Para participar do concurso basta ter uma obra concluída com mais de 50 mil palavras publicada no Wattpad.
Nesse último concurso foram disputadas categorias entre autores do mundo inteiro, e são elas: Fanfiction, Fantasia, Ficção Histórica, Terror, Paranormal, Mistério e Suspense, New Adult, Romance, Ficção Científica, Young Adult, além da Carta coringa. Para cada categoria cinco obras foram eleitas como vencedoras.
A literatura feminina na atualidade
Essa categoria inclui vários gêneros literários, onde a mulher é a fonte e a protagonista. A vida feminina e seus desafios acumulados tomam forma em alguns livros. Nos clássicos podemos citar a grandiosa Jane Austen, mas na atualidade temos algumas boas representantes. A autora que conversamos nessa categoria é Raquel.
O Último feitiço de Cassandra, de Raquel Terezani
Raquel Terezani é nascida em São Paulo/SP, licenciada em Letras pelo Centro Universitário Fundação Santo André e pós-graduada em Comunicação Empresarial pela Universidade Metodista de São Paulo. Sua história "O Último feitiço de Cassandra" foi contemplada com o prêmio Wattys 2021 na categoria Literatura Feminina.
O Último feitiço de Cassandra conta sobre Regina, uma mulher às vésperas de completar 36 anos, que utiliza um feitiço herdado pela avó e retorna aos seus 17 anos, em 2001. Ela reencontra pessoas e provoca mudanças, inclusive nela mesma. O presente de sua avó desperta nostalgia e curiosidade, fazendo Regina concretizar o feitiço e redescobrir detalhes e sentimentos que ela já nem se lembrava mais.
A história surgiu quando a autora se mudou para outro país e começou a sentir saudades de casa. A nostalgia se misturou com criatividade e uma "viagem" ao ano de 2001 foi o resultado disso. Suas amigas e sua família inspiraram as personagens coadjuvantes. Quando visitou o Brasil em 2019, aproveitou também para ler seus antigos diários da época de adolescente, para pescar mais referências sobre como se sentia e se comportava na época.
Raquel Terezani disse também que ao conhecer a plataforma Wattpad em 2016, ainda se sentia relutante de expor seu trabalho, mas havia uma necessidade de colocar aquelas histórias no papel. E depois que começou a postar, não parou mais. Após se mudar, Raquel obteve tempo de sobra e conseguiu se dedicar integralmente à escrita. Passou a escrever todos os dias, também criou o costume de pesquisar e fazer cursos literários, adquiriu livros teóricos, contratou leitura crítica para trabalhar seu material e aproveitou para acompanhar os infinitos podcasts e canais do YouTube que lhe davam suporte.
Raquel conheceu a maioria de seus leitores através de experiências no Facebook e é por onde encontra boas indicações de leitura também. Atualmente curtindo a maternidade, encontra-se mais ausente, porém, quando pode, procura responder a maioria dos comentários em seus livros no Wattpad. E não deixa de enaltecer esse recurso da plataforma: "Saber as reações e impressões dos leitores à cada cena é um feedback maravilhoso." A autora pretende lançar “O Último feitiço” de Cassandra na Amazon em 2023.
As novas faces da ficção histórica independente
A ficção histórica é um gênero amplo, antigo e muito valorizado. Pode-se dizer que Eneida ou Odisseia, por exemplo, são representantes desta categoria. Ele se pauta na mistura entre a ficção e a realidade. No entanto, o passado é vasto e cabe diversas visões, o Wattys selecionou algumas e trouxemos dois autores cujas obras nos chamaram a atenção.
Luana Maurine e sua ficção histórica: O sacrifício.
Luana Maurine é uma jovem feminista no auge dos 30 anos, que exerce com muito orgulho o legado de lecionar Educação Especial. Nas horas vagas deixa o mundo real de lado e cria seus próprios universos, dando vida a reinos fantásticos e personagens icônicos que são eternizados em palavras. Sua obra "Sacrifício" venceu o prêmio Wattys 2021 na categoria Ficção Histórica.
O livro Sacrifício conta a história de Erieanna, que aos doze anos viu seus pais serem brutalmente assassinados por bárbaros escandinavos, os quais posteriormente a levaram como escrava. A irlandesa foi vítima de uma série de abusos que lhe deixaram cicatrizes no corpo e na alma. Tudo que a manteve sã, foi a promessa de que um dia matará todos que lhe fizeram mal; todos que recita o nome antes de dormir. A magia que corre em seu sangue, a qual herdou de seu pai, que outrora foi um grande druida, será seu maior trunfo quando sua retaliação enfim começar. Todavia, no meio de sua sede por vingança, surgiram algumas possibilidades do amor surgir, o que surte um dilema em Erianna.
Luana Maurine ingressou na literatura escrevendo romances, mas havia uma história diferente em sua mente insistindo para ser escrita, foi então que em 2018 nasceu "Sacrifício", uma Ficção Histórica mesclada com fantasia mitológica se passando na Era Viking. Foi nesse momento que eu realmente me encontrei como autora e enxerguei todo meu potencial na escrita.
Apesar de ter sido um processo desafiador, escrever ficção histórica tirou Luana de sua zona de conforto. Apaixonada por mitologia, em especial pela nórdica, se deleitou em pesquisas e leituras de livros acerca da Era Viking.
Luana Maurine contou também que um ponto comum em todas as suas obras é o empoderamento feminino, sobre a importância da mulher lutar para ocupar o espaço nas sociedades. Essa luta está sempre presente em suas histórias e em Sacrifício não foi diferente, Luana buscou criar uma personagem forte e destemida. Alguém que não se curva para homem nenhum, nem mesmo aos deuses.
Claus Valeth e O Conto da Raposa
Claus Valeth é escritor e tradutor. Na adolescência criou uma história em quadrinhos e um mangá com um amigo, sem fazer ideia de que um dia escreveria seu próprio livro. Usando seu conhecimento e sua paixão pela cultura japonesa, escreveu “O Conto da Raposa'', seu primeiro trabalho de destaque, publicado no Wattpad e vencedor do Wattys na categoria Ficção histórica.
O Conto da raposa, de Claus Valeth nos traz a história de Miguel, um aspirante a pintor, assombrado pelas histórias fantásticas do avô. Miguel viaja para o Japão em meio a um período conturbado da história do país. Em determinado momento questiona a própria sanidade e a realidade, quando descobre que algumas lendas podem ter algum fundamento.
O autor nutre um grande fascínio pela cultura japonesa, de modo geral, ele comentou com a Perpétua que de início não queria escrever nada relacionado por receio de cometer imprecisões históricas.
A lenda da raposa de nove caudas especificamente foi uma das primeiras que Claus Valeth conheceu, quando tinha só 8 anos de idade e conforme o tempo passava, mais ele aprendia sobre ela e mais variações da lenda encontrava.
Claus Valeth acredita que todo mundo que gosta de fantasia, no fundo, gostaria que pelo menos uma parte dessas histórias fosse real. E adotou a frase: Eu não acredito em nada, mas estou aberto a tudo. Essa, então, seria a base para O Conto da raposa; o desejo de acreditar.
Uma coisa muito abordada na história é o modo como o ser humano enxerga eventos sobrenaturais, tentando dar explicações plausíveis e como também é atribuído ao sobrenatural coisas que não entendemos ou simplesmente não queremos entender. O que também abriu uma brecha para falar sobre a discriminação contra certos grupos, como os ciganos ou as curandeiras que eram tidas como bruxas, coisas que vemos até hoje. E o autor finaliza: Talvez seja aqui que eu tenha tido maior êxito com a história, em criar paralelismos com a realidade e o sobrenatural, com o modo como interpretamos o mundo.
A paranormalidade e o mistério na literatura
Seja entre páginas de horror ou de drama sobrenatural, a paranormalidade é um elemento recorrente na literatura. Esta categoria foca nas histórias que trazem esse elemento como foco central. E o que é o paranormal? Aquilo que não pode ser explicado cientificamente. Normalmente observamos abordagens mais tradicionais, mas a autora Francine, trouxe um excelente exemplo em sua obra, e buscou inspiração no México.
Logo em seguida Brenda Guedes aborda um tema nada paranormal. Uma realidade dura através das conexões misteriosas construídas em seu livro.
O Guardião dos mortos, de Francine Maia
Francine Maia é autora de livros de fantasia e romance. Seu livro “O Guardião dos Mortos” foi sua primeira experiência na escrita em outro gênero e foi contemplado com o prêmio Wattys 2021, na categoria “Paranormal”.
O Guardião dos mortos é uma fantasia paranormal que aborda a morte e a importância de naturalizá-la em nossas vidas. A história tem por embasamento a mitologia indígena mexicana, aborda especificamente El dia de los muertos, o feriado mexicano que celebra os mortos. Em seu livro, Francine retrata as aventuras de Eva no mundo dos mortos, a moça é acidentalmente teletransportada para lá. Com ajuda de dois companheiros, ela precisa voltar para casa antes que o tempo acabe.
A autora teve inspiração na celebração em si e na própria cultura mexicana, mas também cita o filme “Festa no céu”, produzido por Guillermo Del Toro.
A autora Francine Maia conta que largou tudo que fazia em São Paulo e se mudou para Lisboa onde começou a estudar Letras. Quando a pandemia explodiu e ela se viu trancada em casa com um gato, decidiu publicar suas histórias on-line. Além de “O Guardião dos Mortos”, obra vencedora na categoria Paranormal, Francine também possui dois livros publicados de forma independente: “Ágape, uma promessa de outras vidas”, que é uma releitura contemporânea do mito grego "Cupido e Psiquê", e “Eros”, uma prequência de Ágape.
Não deixe a puta morrer, de Brenda Guedes
Brenda Guedes nasceu em 1998 e é formada em biologia na Universidade de São Paulo. Publicou seu primeiro livro pelo Wattpad em 2015, intitulado “Além Dos Muros” e o mesmo foi removido para uma publicação independente após mais de 76 mil leituras na plataforma, em 2020. Possui contos publicados tanto no Wattpad quanto na Amazon e, em 2021, publicou seu livro físico “Eutanásia Passiva” pela editora Flyve; também nesse mesmo ano, ganhou o prêmio Wattys com seu livro "Não Deixe a Puta Morrer", na categoria Mistério e Suspense.
Em Não deixe a puta morrer, o caso de sequestro não era responsabilidade de Laura dias, mas quando o corpo de uma das vítimas é encontrado sem olhos, abaixo do Viaduto Santa Ifigênia, em São Paulo, a investigadora veterana adentra na maior investigação da sua carreira. Enquanto tentam descobrir a identidade do assassino, os investigadores não devem ignorar a prioridade de encontrar a segunda mulher desaparecida, Cassandra, antes que essa apareça morta como sua irmã gêmea. Esse é um suspense policial que aborda temas importantes como o descaso pela morte de prostitutas marginalizadas todos os dias.
A autora Brenda Guedes revelou que “Não deixe a puta morrer” foi uma obra pensada para vencer o prêmio Wattys 2021. A história chegou a passar pela leitura crítica de Claudia Lemes, que é uma autora de suspense e thriller, especialista na área. Brenda o considera seu melhor livro, levando em conta toda dedicação e trabalho para refinar o material e enriquecer com qualidade.
Sobre as inspirações para escrever “Não deixe a puta morrer”, a autora cita “Me chama de Bruna”, série da Prime Vídeo que conta a história da Bruna Surfistinha, mas que também engloba muitos elementos da ficção. Brenda contou que esse foi o ponto em que se viu revoltada com a marginalização das garotas de programa. Mas a maior inspiração para a autora foi a história da prima de sua avó, que se prostituía e acabou sendo internada num hospital psiquiátrico. Sobre isso, Brenda comenta: A história de vida dela me tocou profundamente e me fez pensar em como essas mulheres são abandonadas e esquecidas, e não tem ninguém falando sobre isso, não tem ninguém preocupado com isso.
Brenda Guedes acredita que um dos pontos fortes de sua história foi ter tido a chance de criar o núcleo policial em “Não deixe a puta morrer”, por ser estudante de toxicologia aplicada à crimes, a autora tem conhecimentos de psicologia forense e pôde explorar bem. na narrativa toda, a parte de perícia e investigação, enriquecendo sua história de suspense.
A misteriosa categoria Carta Coringa
Carta Coringa é uma categoria nova no Wattys 2021 que surgiu pela necessidade de encaixar histórias que fogem das narrativas tradicionais. São histórias que possuem vários gêneros e plots inusitados.
Afogadorum - O dono do Mangue, de Leo Lipe
Leo Lipe é um autor pernambucano formado em biomedicina, mas que sempre atuou no campo das artes. Criador do projeto cultural “Mechamonte, Expresso para o Fim”, que inclui livro interativo e performances teatrais. Seu livro "AFOGADORUM: O Dono do Mangue", foi vencedor no prêmio Wattys 2021 na categoria Carta Coringa.
Afogadorum - O dono do Mangue da autoria conta a história de Talilo, um jovem pescador que mora no manguezal do bairro de Afogados, no Recife, e tem o desejo de se tornar um grande artesão. Porém, seus pais vivem repetindo que "arte não dá dinheiro". A única pessoa que valoriza os dons artísticos do rapaz é Laura Vaz, sua ex-professora. Laura é dona de um Antiquário e convida Talilo para vender suas obras na loja dela. Depois de aceitar o convite, o jovem acaba se envolvendo em tramas espirituais que são muito maiores do que ele imagina.
Paralelamente à história de Talilo, também acompanhamos a epopeia de um peixe teimoso que, movido por um desejo revolucionário, decide desafiar as leis da natureza. Vagando pelas águas do manguezal, o peixe teimoso conhece Nanã, Orixá dos manguezais, e precisa ajudá-la a estabelecer uma aliança com uma antiga Entidade conhecida como "O Dono do Mangue".
Sobre a escrita de Afogadorum, Leo Lipe contou que suas maiores inspirações foram as próprias vivências morando à beira do mangue quando criança. O autor cresceu ouvindo Chico Science, um dos principais colaboradores do movimento manguebeat na década de 90. Leo Lipe queria contar uma história que fosse totalmente recifense, que conseguisse transmitir a aura mística que sua cultura possui.
Ao falar sobre os personagens do livro, Leo Lipe assume que Talilo, o protagonista da história, tornou-se seu personagem preferido da vida inteira. Por ser um brasileiro sonhador, assim como todos os artistas independentes do país, enfrenta dilemas complexos, como por exemplo: precisar trabalhar para se manter, passar perrengue, enquanto busca viver da arte.
O autor aposta que o diferencial de sua obra é a costura que une os tipos de narrativas, a mistura entre os gêneros e o tema. Leo Lipe se propõe a mostrar o valor das próprias vivências e narrativas. E finaliza declarando: É possível escrever uma história sobre revolução que fuja dos moldes eurocêntricos.
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