Texto por: Marcos Roberto
Por conta de uma nova onda de filmes de horror o apelo social do gênero está escancaradamente evidente. Produções como Corra (2017), Us (2019) e Parasita (2019) atraíram a atenção não só do público tradicional, mas também de entusiastas das temáticas abordadas nestes filmes, que envolvem racismo, desigualdade social, influência cultural nociva, dentre outros. Alguns filmes não tão recentes ou conhecidos também exploram estas e outras temáticas, como o Sob a sombra (2016) e o Babadook (2014).
Para o público atual, que tem contato massivo com tais temáticas em seu cotidiano, é fácil reconhecer o aspecto social destes filmes ou psicológico no caso de Babadook. O que tal público talvez não saiba é que esta é uma tradição que existe há muito tempo dentro do gênero do horror, que data mesmo antes de a sua maior representação ser audiovisual.
Se nos voltarmos para os clássicos do cinema de horror encontramos valiosos exemplos de aspectos sociais sendo representados. Em Poltergeist (1982), por exemplo, por debaixo de toda a camada de clichês de filme de terror há uma temática social de base. O gatilho de toda a narrativa do filme é, justamente, a completa desvalorização da cultura indígena norte-americana. Para quem não sabe, a família protagonista é assombrada por uma maldição presente na casa para a qual se mudam. Ao saber que a casa faz parte de um conjunto habitacional construído em cima de um cemitério indígena e que o pai é o mais bem sucedido corretor desse conjunto, entendemos perfeitamente o motivo de a família estar sendo incomodada, talvez até apoiemos.
Ainda mais antigamente, em O bebê de Rosemary (1968) vemos expressa não uma crítica social, mas sim a representação do imaginário coletivo da época acerca da fundação do próprio Estados Unidos. Por conta de sua colonização, uma boa parte da cultura estadunidense é baseada na cultura europeia. Isso significa dizer que uma boa dose do que se poderia considerar bruxaria foi trazida para o novo mundo. Juntamente com essa parte da cultura, foi trazido, também, o medo que alguns dos nativos europeus nutriam por ela, que se propagou no imaginário coletivo. Alan Morre em sua história em quadrinhos Providence (2015-2017), retrata bastante este medo e atribui a ele a influência para a produção literária de H.P. Lovecraft. Medo este que, em Lovecraft se mescla à grande parcela do bem conhecido racismo nutrido contra a cultura afro-americana que o autor cultivava.
Assim como a recepção que O exorcista (1973) teve nas salas de cinema, com pessoas passando mal por conta do filme, o que nos revela todo o medo que a comunidade estadunidense nutria por tais temáticas. Claro, a maquiagem e os outros efeitos contribuíram bastante para isto, mas se esta fosse uma temática que não tivesse tanto apelo do público, sem dúvida não haveria maquiagem que causasse a euforia que causou.
Isto revela toda a crença que o público da época ainda atribuía a estes temas e toda a fé que atribuíam à igreja para solucionar estas questões. Juntamente com O exorcista (1973), A profecia (1976) e Horror em Amityville (1979) parecem evidenciar este aspecto da sociedade norte-americana. Todos apresentam um roteiro baseado no imaginário coletivo do cristão estadunidense, seja a possessão demoníaca ou o nascimento do anticristo. Imaginário este tão forte que chega a influenciar clássicos atuais do horror como O exorcismo de Emily Rose (2005).
A força do imaginário coletivo em geral se mostra de forma particularmente extrema em A hora do pesadelo (1984). Com uma das propostas de personagem mais interessantes do gênero, o filme se baseia na existência de um ser condicionada pela crença coletiva nele. Freddy Krueger só existe enquanto, e na medida em que, as pessoas acreditam de fato que ele existe. Tanto é que sua existência e força advêm de adolescentes, mais suscetíveis a acreditarem nesse tipo de coisa do que adultos, ou ao menos é isso que Wes Craven parece propor.
Além disto, o filme de Craven foi supostamente influenciado por um evento histórico. Para aqueles que não sabem, fugindo de um regime autoritário no seu país de origem, alguns Cambojanos migraram para os Estados Unidos. Traumatizados pelos terrores que os acometiam seu país, alguns deles desenvolveram uma síndrome que os fazia ter pesadelos horríveis, e, consequentemente, os impedia de dormir.
Em períodos mais recentes também vimos produções como Corrente do mal (2014) retratar o terror das IST´s, que em estudos recentes demonstrou estar crescendo de forma avassaladora mundialmente. Assim como Cam (2018) toma como tema a perda de personalidade em meios digitais, nos quais antes de tudo você é para o outro, e não em si.
Isto, sem citar filmes B que sem dúvida tem seu jeito singular de retratar aspectos sociais. Holocausto Canibal (1980) sem dúvida é um clássico destes filmes e a crença que à época o público depositou em sua narrativa demonstra um pouco a forma como a sociedade norte-americana enxergava o lado sul do mapa-mundi. Claro que grande parte dessa crença se deve ao amadorismo de como foi produzido o longa e às mortes de animais que realmente ocorreram, mas, da mesma forma que O exorcista (1973), o maior amadorismo possível não teria tanto apelo junto ao público se não houvesse uma inclinação por parte dele em acreditar. E, vejam só, no final do filme ainda há uma crítica à sociedade em geral e seu aspecto civilizatório.
Se formos considerar as produções de horror na literatura, o apelo social se mostra nas raízes do gênero. Mary Shelley é um exemplo emblemático disso. Em Frankenstein (1818), como bem se sabe, ela nos apresenta à criatura criada pelo Dr. Frankenstein a partir das partes de diversos homens mortos e muita descarga de energia elétrica. O que pretende Mary Shelley com isto é representar as possibilidades e o terror envolto ao desenvolvimento tecnológico. Não é à toa que o subtítulo do livro faz referência a Prometeus, um herói da mitologia grega responsável por dar fogo aos homens, o maior aparato tecnológico do qual o homem pôde se valer por muito tempo.
Edgar Allan Poe também nos apresenta uma perspectiva social em seu A máscara da morte rubra (1842). No conto somos apresentados a uma narrativa de reviravolta (plot-twist) em que o protagonista, um príncipe, organiza uma festa a fantasia na qual uma presença aterrorizadora ameaça o bom ânimo dos convivas. Apesar de uma festa à fantasia, um dos presentes ousa desafiar a tolerância dos convidados e se veste com uma roupa mortuária e uma máscara cadavérica. Quando finalmente capturam o mascarado, os convidados percebem que não se trata de uma entidade física. Numa época em que a cólera tomava conta do imaginário coletivo, aquela entidade representa todo o receio que inunda os pensamentos da população.
Diante de tudo que foi dito é possível antecipar em determinada medida o rumo da produção do horror, no cinema, na literatura ou em tantas outras mídias. Todo o receio e paranoia que permeia a era da Covid-19 certamente darão ideias para produções de terror, bem como a ignorância e falta de empatia que vemos sendo tão reproduzida. E, de fato, as coisas parecem se encaminhar para isto, visto que um filme como Host (2020) foi lançado não só tendo a pandemia como temática, mas também como elemento narrativo, visto que se passa todo em uma vídeo chamada. Assim, não é difícil traçar paralelos entre a era atual e as obras citadas.
Os mais evidentes são embasados no A máscara da morte rubra (1842). Se analisarmos detidamente, contudo, outras obras citadas se apresentam como base para traçar estes paralelos. Em Corrente do mal (2014) também observamos a paranoia diante de uma doença transmissível. Mas, para além de paralelos mais diretos cente isso que podemos esperar da produção de horror. Seja mais evidente ou mais discreta, a influência dessa época se mostrarará presente por um longo tempo, em diversas mídias e de diversas formas, todas as obras são representação de aspectos sociais, em determinada medida. E, em uma época em que o aspecto social atual é rodeado por uma pandemia, é justam
²OLIVETO, Paloma: Alerta da OMS: Mundo sofre com 1 milhão de novos casos de DST´s por dia. Correio Braziliense, 2020.
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